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Conversando de RH

05 de novembro de 2015
LAÇOS DE FAMÍLIA

Uma das manifestações que mais sensibiliza um colunista, cronista ou qualquer outro “escrevinhador” que disponha de um espaço em alguma mídia, é a possibilidade de interação com o leitor. Esse contato, de aprovação ou não, de elogio ou crítica, ou mesmo que seja para tirar uma dúvida, não importa, é um indicativo de que a mensagem foi recebida, foi processada e teve, quase sempre, na pior das hipóteses, a benevolência do leitor.

A cronista Martha Medeiros já dizia que a sua maior satisfação é quando o leitor entra na mesma sintonia do texto, a ponto de confessar que o que ela escreveu, de alguma forma teve influência num momento delicado de sua vida, mostrando como o colunista tem o poder de, mesmo à distância, interagir com o íntimo de quem lhe é estranho até esse momento.

Sem ter essa pretensão e poder, há poucos dias fui brindado com o contato de uma leitora, que através de um longo e-mail, se apresentou como uma “nikkei”, que há mais de 20 anos deixou o Brasil para buscar a redenção financeira no Japão, como fizeram centenas de outros brasileiros naquela época. A sua trajetória se assemelha à de muitas outras que ocorreram dentro do fenômeno de migração denominado “dekasseguis”. Com o destaque que, a dessa leitora, foi admirável, um verdadeiro exemplo de estoicismo, envolvendo dificuldades mil, preconceitos, desafios, sacrifícios e superação. Hoje, ela é praticamente uma cidadã japonesa, constituiu nova família, teve filhos, tem situação financeira estável e, por tudo isso, decidiu por não mais retornar ao Brasil.

O drama pela qual passou essa leitora me fez refletir um pouco sobre esse fenômeno da migração de “nikkeis” brasileiros ao Japão, denominado “dekasseguis”, e os estragos que ele provocou no seio de algumas famílias, cujo chefe do clã e , em muitos casos, até a esposa e filhos, tiveram que deixar o Brasil para buscar no Japão a tábua de salvação para os graves problemas financeiros que os afligiam , em decorrência do desemprego. Laços de família, como bem definiu Clarice Lispector, foram quebrados e ruiu a harmonia social que predominava no grupo familiar dos nipônicos.

Sempre considerei a família como peça fundamental para o desenvolvimento do indivíduo, com a sua função de proteção e socialização de seus membros, gerador de afeto, segurança, estabilidade e de autoridade. Tomava como exemplo o ambiente familiar e a educação recebidos de meus pais, imigrantes japoneses que para cá vieram há mais de 80 anos. Humildes, lavradores, sem estudo, mas pessoas dignas, honestas e lutadoras, sacrificaram-se para que os filhos pudessem desfrutar de um futuro melhor, investindo incansavelmente na educação. E, nem escola eles puderam frequentar. Mesmo assim, sabiam o que era o certo e necessário: os filhos teriam que cursar faculdade, teriam que ser “doutores”.

O resultado é que todos os cinco filhos conseguiram se graduar em escola superior, cada qual em uma especialidade e, a maioria em universidades públicas, as mais valorizadas naquela época. Para meus pais, isto foi a concretização de um sonho e de uma missão. Contribuiu para isso a unidade familiar que sempre existiu, apesar das imensas dificuldades que eles enfrentaram. Eles conseguiram manter incólume a estrutura familiar, sem que tivesse havido qualquer cisão em seu meio. Até hoje mantém-se essa característica, de harmonia e convivência, agora sem a presença do pai, já falecido, mas em contrapartida, com a participação de novos membros, os filhos, noras e netos.

Sem querer entrar no mérito e nem aprofundar na análise sociológica do fenômeno “dekassegui”, consideramos a ocorrência da desagregação familiar, como o lado negativo e triste desse movimento. Com a ausência do chefe da família e em muitos casos, da própria esposa, motivada pela necessidade de ir trabalhar no Japão, evidencia-se a separação do núcleo familiar. Os filhos, menores, permanecem aqui, sob a guarda dos avós ou dos tios e parentes. A longa permanência do cônjuge, a separação física e o distanciamento, provocam a ruptura dos laços familiares. E aí surgem a separação, o divórcio e até o abandono, provocando o desmoronamento de toda uma estrutura familiar. Crianças problemáticas, adolescentes rebeldes, cônjuges que constituíram outras famílias, são algumas das consequências lamentáveis que ocorreram em função desse fenômeno social.

É o doloroso preço que muitas famílias tiveram que pagar. Mas, existem aquelas que tiveram um final feliz, como o caso da valorosa leitora citada no preâmbulo deste texto.



Katsuo Higuchi
Profissional de RH; como executivo e empresário , atua
na área há mais de 40 anos. Foi diretor da empresa AVANCE DO BRASIL.
e-mail: rk.higuchi@gmail.com

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